Despesa com pessoal e o final de mandato
10 julho 2020O ano de 2020 é um ano crucial para a vida política dos municípios. É ano de eleição para escolha do prefeito e de vereadores. Entretanto, estamos diante de uma emergência de saúde que foi declarada como calamidade pública em todo o território nacional. Com isso, foram feitas algumas flexibilizações na legislação, em especial na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e o adiamento da data de realização do pleito. Dentre as flexibilizações realizadas, apontaremos as relacionadas à despesa com pessoal no último ano de mandato.
A primeira flexibilização ocorrida foi a suspensão do prazo para recondução da despesa com pessoal que extrapolou o limite máximo, essa flexibilização decorre da aplicação do artigo 65 da LRF.
Foi mantido na LRF o dispositivo do artigo 21 que determinava como nulo de pleno direito o ato que resulte em aumento da despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato. Contudo, a Lei Complementar n° 173/2020 acrescentou o inciso IV ao caput do artigo 21 que dispõe que é nulo de pleno direito “a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando: a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo”.
No que se refere a Lei Geral das Eleições (LGE), não foram feitas flexibilizações de seus dispositivos, ocorreu apenas o adiamento da data do pleito. Dessa forma, ainda continuam válidas as proibições de:
Art. 73 […]
V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex offício, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários; […]
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.
A cerca da ressalva apontada na alínea a do inciso V do artigo 73 da LGE, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possui o entendimento de que pode ser caracterizado como abuso de poder as nomeações ou exonerações de cargos em comissão com fundamento no volume de nomeações e exonerações realizadas nos três meses que antecederam o pleito eleitoral, na natureza das funções atribuídas aos cargos que não demandavam tamanha movimentação, e na publicidade com nítido caráter eleitoreiro de promoção de imagem dos gestores. Além disso, a contratação temporária prevista no artigo 37, XI, da Constituição Federal possui regime jurídico diferente do previsto para os cargos públicos efetivos e para os empregos públicos, dessa forma a contratação temporária não é abrangida pela ressalva da alínea a.
Para o TSE o conceito de serviço público essencial é interpretado de maneira restritiva pela jurisprudência. De modo que a ressalva do art. 73, V, d, da LGE é aplicada apenas nos casos de serviços relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da população. Destacamos, ainda, que a contratação de pessoal para áreas supostamente essenciais não é amparada pela ressalva da alínea d se for configurada que a própria Administração Pública deu causa à necessidade de pessoal por falta de organização.
Com a decretação da situação de calamidade pública decorrente do Covid-19 até dezembro de 2020 é preciso que fique atento, também, as restrições impostas pela LC 173/2020 sobre a contratação de pessoal. O artigo 8° da referida lei assim dispõe:
Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:
I – conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;
II – criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III – alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;
V – realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;
VI – criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade; […]
IX – contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.
O artigo 8° da LC 173/2020 estabelece que o disposto nos incisos II e IV não se aplicam as medidas de combate à calamidade pública decorrente do Covid-19 cuja vigência e efeitos não ultrapassem a duração da calamidade. É estabelecido, ainda, que o disposto no inciso VI não se aplica aos profissionais de saúde e de assistência social, desde que relacionado as medidas de combate à calamidade pública decorrente do Covid-19 cuja vigência e efeitos não ultrapassem a duração da calamidade.
Por Raissa Carolino / Accord Contabilidade Pública
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